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sábado, 15 de outubro de 2011

O MITO, O SÍMBOLO E O RITO


Longe de serem narrativas lúdicas e infundadas, os mitos são narrativas emanadas do inconsciente coletivo das sociedades, que relatam acontecimentos da esfera transcendental ou dos primórdios de uma coletividade humana.
De modo geral, os mitos têm origem em visões transpessoais de grandes videntes ou em fatos históricos ocorridos em tempos primordiais, que são expurgados de seu conteúdo menos importante e acrescidos de imagens arquetípicas e universais.
Quase todo mito é uma estória fabulosa das origens de povos, nações e do próprio mundo.
A finalidade do mito não é jornalística ou informativa, e sim educativa. Visa criar valores fortes, senso de identidade ou transmitir verdades transcendentais.
Geralmente as estórias míticas são exageradas e fabulosas para compensar a perda de conteúdo produzida pela transmissão oral. Como a finalidade não é relatar, o inconsciente coletivo lança mão de imagens arquetípicas dotadas de um alto poder de impacto emocional, para manter a intensidade e a força da transmissão.
O mito nunca é uma construção individual. É um constructo coletivo elaborado por muitas gerações, envolvendo toda uma concepção das origens do macrocosmo ou do microcosmo, sendo construído camada por camada por uma atividade social, criando raízes na memória de uma coletividade humana.
Por mais que o mito esteja mesclado com religiosidade, seu objetivo não é de natureza religiosa, e sim criar valores, senso de identidade e coesão entre os membros de um grupo social ou de uma nação. Ele visa fazer com que os indivíduos comunguem a mesma cosmovisão, as mesmas emoções, os mesmos sentimentos e a mesma vontade, produzindo um elo de ligação e de identidade, sem o qual a comunidade se desfaz em função das pressões internas e externas. Não se sabe em que medida a comunidade cria o mito e em que medida é o mito que cria a comunidade.
O mito da fundação de Roma, por exemplo, em que uma loba amamenta os gêmeos Rômulo e Remo, tem origem no fato de dois bebês órfãos, amamentados e criados por uma prostituta chamada Lupa (Loba), que morava entre as sete colinas da futura cidade.
Sem a transformação desse fato corriqueiro em um mito mágico, Roma nunca teria sido o maior império do mundo antigo, visto que o mito ajudou os romanos acreditar que seu destino de conquistadores vitoriosos e protegidos pelos deuses estava determinado desde suas origens extraordinárias.
E quanto aos ritos? Eles são a interpretação cênica e dramatizada do mito. Por meio das palavras, dos gestos, da indumentária, dos cânticos, do ritmo e do cenário, os ritos visam fornecer ao mito uma força viva e atualizada, como se o fato gerador do mito estivesse se repetindo naquele instante.
Os ritos são a externalização e a recordação do mito em ações coordenadas e plenas de simbolismo. O rito tem o objetivo de eternizar o mito, trazendo-o do passado remoto para o presente ativo, renovando-o permanentemente.
Os ritos se baseiam no fato de que os eventos arquetípicos narrados pelo mito não estão localizados no passado. Estão vivos e se manifestando a cada momento. Dessa forma, o rito procura estabelecer uma conexão entre determinado evento arquetípico e sua representação cênica, que tem por objetivo captar a energia vital farta e vivificante emanada por aquele evento.
Os egípcios antigos tinham um rito de saudar o nascer do sol. Os sacerdotes vestiam trajes rituais ornamentados em ouro (o ouro era a “pele do sol”) e entoavam cânticos à luz quando o primeiro raio de sol iluminava a pirâmide dourada que ficava no topo de todos os obeliscos. Aquele evento era alusivo ao momento primordial da criação, quando o pássaro Benu (Fênix) renascia de suas próprias cinzas e pousava na Pedra Benben (obelisco), iniciando um novo ciclo de manifestação. Aquele rito visava ajudar o sol a nascer após sua longa jornada pelo oceano subterrâneo, onde tinha de enfrentar a serpente Apophis, o espírito do caos. Muitos egiptólogos superficiais supõem que os egípcios tinham medo de que o sol não nascesse a cada dia e, por isso, faziam esse rito para garantir o novo nascer do sol. Na verdade, eles faziam o rito para recordar o fato primordial da criação e absorver a grande energia que flui naquele momento mágico. Na consciência altamente simbólica, imaginativa, analógica e ritualizada dos egípcios, eles sabiam que o sol certamente nasceria, mas tinham receio de que o sol da razão superior não nascesse para eles, que perderiam a noção da harmonia divina do universo, o que levaria ao caos e à destruição de sua sociedade.
Os ritos são, portanto, instrumentos de auto-recordação ativa, tendo um poder de mobilização de energias superior ao simples estudo intelectual, ou à expressão verbalizada. Pode-se afirmar, com pequena margem de erro, que o rito é a encenação dramática de algum mito.
Quanto aos símbolos, a própria etimologia da palavra esclarece seu significado.
A palavra símbolo provém da junção de dois vocábulos gregos: o sufixo sin, que quer dizer junto, e o verbo bolein, que quer dizer lançar. Portanto o símbolo é a imagem visual que “lança junto”, em uma imagem reduzida, toda uma complexa cadeia de significados.
Diferentemente dos signos e sinais (como as placas indicativas que encontramos nas rodovias), os símbolos trazem sempre conteúdos arquetípicos capazes de suscitar conteúdos cognitivos e emocionais do inconsciente. Um cristão teria uma forte impressão emocional ao visualizar a imagem de uma cruz, que traria à sua mente todo o conteúdo e significado de sua fé. Um muçulmano teria impressão semelhante ao ver um crescente lunar.
Certamente um judeu teria uma reação de medo ou de aversão ao visualizar uma suástica nazista, que traria à sua mente todo o sofrimento de seu povo, nas mãos dos algozes em campos de concentração.
Hitler lançou mão da suástica justamente por ser o mais antigo e vigoroso símbolo dos ário-germânicos, associado ao martelo de Thor. Sendo um hábil manipulador do inconsciente coletivo, usava todos os meios míticos, simbólicos e ritualísticos, para magnetizar as massas e direcioná-las para seus propósitos.
Foi Karl Jung quem primeiro descobriu e desenvolveu um estudo sistemático e científico sobre os símbolos e seu efeito sobre o inconsciente humano.
Para Freud, o símbolo era uma redução de determinado conteúdo cognitivo e emocional a uma unidade básica e diminuta de significado.
Para Jung, ao contrário, o símbolo era uma magnificação do conhecimento, levado a uma síntese de ordem cognitiva superior, capaz de transmitir uma enorme cadeia de significados em uma pequena unidade de informação.
*Texto da sociedade Teosofica

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