Desde o fim do ano passado, os provedores britânicos de acesso à
internet adotaram como padrão os “filtros familiares”, que bloqueiam
sites proibidos para menores de idade. Agora, qualquer assinante que
deseja ver material adulto precisa optar ativamente por isso —o que, na
prática, equivale a levantar a mão e dizer: “Manda vir a sacanagem”.
A
iniciativa, concebida e muito divulgada pelo governo, busca impedir a
“corrosão da infância” que, conforme disse o primeiro-ministro David
Cameron em um discurso no ano passado, ocorre quando crianças são
expostas à pornografia. Na mesma ocasião, ele pareceu atirar os
adolescentes no grupo que está sob necessidade de proteção, referindo-se
aos “jovens que acham normal enviar material pornográfico como prelúdio
para o namoro”.
É aqui que o tema fica obscuro. Acontece que as
pesquisas estão longe de ser conclusivas sobre os riscos da mistura
entre adolescência e pornografia. Na verdade, muitos dos estudos mais
completos sobre o assunto chegaram a conclusões que equivalem a dar de
ombros e dizer “não podemos dizer com certeza”. Uma das mais recentes
pesquisas foi produzida pelo gabinete do comissário da Infância para a
Inglaterra. Em maio, o comissário divulgou um relatório intitulado
“Basicamente... o pornô está por toda parte”, analisando 276 textos
acadêmicos sobre adolescentes e pornografia.
Os pesquisadores
descobriram uma ligação entre a exposição à pornografia e comportamentos
de risco, como sexo desprotegido ou sexo precoce. Mas pouca coisa pôde
ser dita sobre tal associação. Não foi possível estabelecer “relações
causais” entre pornografia e comportamentos de risco, concluíram os
pesquisadores. Não é nenhuma surpresa que pessoas envolvidas em
comportamentos de risco tenham assistido a pornografia on-line. Quase
todo adolescente já assistiu.
Estudiosos americanos chegaram a
conclusões praticamente idênticas. “Examinamos de 40 a 50 estudos”,
disse Eric Owens, professor na Universidade West Chester, na
Pensilvânia, e um dos autores do trabalho “O Impacto da Pornografia na
Internet sobre Adolescentes: Uma Revisão da Pesquisa”, publicado na
“Sexual Addiction and Compulsivity: The Journal of Treatment and
Prevention”. “E ficou assim: ‘Ok, este nos diz A, este nos diz B’. Até
que jogamos as mãos para o alto e dissemos: não há conclusão a ser
tirada daqui.”
A ausência de respostas definitivas parece bizarra,
ao menos inicialmente. Toda uma geração já cresceu com fácil acesso a
fotos e filmes pornôs. E a pronta disponibilidade é apenas uma parte
disso. Grande parte da pornografia on-line é violenta. Grande parte
apenas demonstra a amplitude dos apetites sexuais que há por aí. Quem
diria que assistir a mulheres completamente vestidas tentando desatolar
carros da lama e da neve contaria como fetiche? Aparentemente é esse o
caso, como prova o site
carstuckgirls.com.
A
ética impede os acadêmicos de realizarem o estudo ideal. Este, dizem,
arregimentaria um grupo de adolescentes que nunca tivessem visto
pornografia on-line, para em seguida lhes oferecer uma dose constante
durante dois a três meses. No final, eles seriam interrogados para ver
se as suas atitudes ou ações haviam mudado. Haveria testes tanto para os
efeitos mentais como para os físicos.
Expô-los a material
sexualmente explícito é contra a lei, o que significa que nenhuma
universidade aprovaria tal estudo. E se fosse descoberto que a
pornografia é prejudicial?
Estudiosos discutem efeitos da pornografia
A
transmissão em streaming de vídeo para tablets e celulares se tornou
eficiente apenas de alguns anos para cá. Qualquer estudo que examinasse a
pornografia on-line antes do advento dessas tecnologias subestimaria a
enorme quantidade de material proibido para menores à qual os
adolescentes têm acesso, bem como onde e quando esse acesso acontece.
Isso
não quer dizer que não haja lições a tirar do grande volume de
pesquisas nessa área. Jochen Peter e Patti Valkenburg, da Holanda,
concluíram, como disse Peter, que “quando os adolescentes assistem a
mais pornografia, eles tendem a ser mais insatisfeitos com as suas vidas
sexuais. Esse efeito não é realmente forte, contudo. E adolescentes com
mais experiência sexual não demonstraram esse efeito”.
A dupla
também descobriu que adolescentes que assistem a mais pornografia do que
seus pares típicos são geralmente menos avessos ao sexo casual.
Miranda
Horvath, uma dos principais pesquisadores por trás do relatório do
comissário da Infância, diz que a parte mais reveladora da pesquisa
surgiu durante um debate improvisado, em que um grupo de adolescentes,
meninos e meninas com idades entre 16 e 18 anos, foi dividido em dois.
Um dos subgrupos foi instruído a argumentar que a pornografia teve
impacto sobre eles, e o outro, a dizer que não.
Não faltaram
argumentos para o campo pró-impacto. “Eles disseram que sofreram
impactos sobre a imagem do corpo, sobre como os jovens acham que o sexo
deve ser, o que eles poderiam esperar do sexo”, disse Horvath,
professora de psicologia da Universidade de Middlesex, em Londres. “Eles
falaram sobre como, se você vir coisas na pornografia, pode ficar
achando que aquilo é algo que você deveria fazer.”
O campo do não
impacto não conseguiu preencher os 15 minutos aos quais tinha direito.
Após alguns minutos, a pessoa escolhida para falar se virou para o resto
da equipe e perguntou: “O que mais eu devo dizer?”.
A
neurociência nos diz que mentes jovens tendem a responder a material
emocionalmente forte de um jeito diferente dos adultos. Como a
pornografia é emocionalmente forte, seria chocante que ela não causasse
impacto. Talvez por isso os acadêmicos com os quais conversei tenham
sido cautelosos.
Rory Reid, pesquisador de psicologia e professor
da Universidade da Califórnia, Los Angeles, disse: “Tenho um filho e não
quero que ele se informe sobre a sexualidade pelo pornô da internet,
porque a vasta maioria desse material contém mensagens fraudulentas a
respeito do sexo”.
Muitos adolescentes garantem saber a diferença
entre pornografia e sexo real, assim como sabem que “World of Warcraft”
não é um mundo de verdade. Mas pesquisadores dizem que é uma má ideia
esperar que os jovens intuam o que há de falso na pornografia.
“Uma
das nossas recomendações é que as crianças devem ser ensinadas sobre
relacionamentos e sexo em uma idade precoce”, disse Horvath. “Se
começarmos a ensinar as crianças sobre igualdade e respeito quando elas
têm cinco ou seis anos de idade, no momento em que elas se depararem com
a pornografia, na adolescência, serão capazes de escolher e ver a falta
de respeito e emoção que a pornografia nos dá.”
No mínimo, os
pesquisadores acreditam que é uma boa ideia que o pai ou a mãe conversem
sobre sexualidade e pornografia com o/a adolescente. Colocar um
computador no quarto de uma criança sem limites para o que pode ser
visto é, segundo Reid, como atirar as chaves do carro para um
adolescente e dizer: “Vá aprender a dirigir. Divirta-se.”